A importância do dimensionamento de cabos elétricos para garantia da suportabilidade de correntes de curto-circuito
O dimensionamento correto dos cabos elétricos é crucial para garantir a segurança e a eficiência na instalação elétrica. Um dos principais critérios a serem considerados no dimensionamento de cabos é a corrente de curto-circuito. A capacidade de um cabo suportar curtos-circuitos está diretamente relacionada com suas dimensões, tipo de condutor e tipo de isolação. Analisaremos cada um destes aspectos na sequência:
Geometria
Um cabo que é de baixa seção transversal pode não ser capaz de lidar com as altas correntes que ocorrem durante um evento de curto-circuito, resultando em danos ou falha do cabo. Por outro lado, um cabo superdimensionado pode ser desnecessariamente caro e não fornecerá benefícios adicionais em termos de proteção. O dimensionamento adequado dos cabos garante que eles possam lidar com segurança com as correntes de curto-circuito esperadas, sem sofrer danos ou falha, ao mesmo tempo em que é eficiente economicamente.
Material Condutor
O material condutor é um fator importante no dimensionamento de cabos elétricos seguindo o critério de suportabilidade à curtos-circuitos, pois ele influencia diretamente na corrente de curto-circuito que o cabo é capaz de suportar. Diferentes materiais condutores têm diferentes propriedades elétricas, como a resistividade elétrica e a seção transversal, que afetam diretamente a corrente de curto-circuito que o cabo é capaz de suportar. Por exemplo, cabos condutores de cobre têm uma resistividade elétrica menor do que os cabos condutores de alumínio, o que significa que eles são capazes de suportar correntes de curto-circuito maiores quando comparados a cabos de alumínio de mesma seção transversal.
Outra propriedade do material condutor importante a ser considerada é a capacidade de conduzir calor, pois a corrente de curto-circuito geralmente gera muito calor, e a capacidade de conduzir calor do material condutor pode afetar a temperatura do cabo e, portanto, a sua capacidade de suportar correntes de curto-circuito. Por exemplo, o cobre é um melhor condutor de calor do que o alumínio, então um cabo de cobre pode suportar correntes de curto-circuito maiores do que um cabo de alumínio com a mesma seção transversal.
Material Isolante
A capacidade de um cabo de suportar correntes de curto-circuito está diretamente relacionada com a suportabilidade térmica da isolação do cabo. Quando ocorre um curto-circuito, a corrente elétrica aumenta significativamente, resultando em altas temperaturas no cabo. Se a isolação do cabo não for capaz de suportar essas temperaturas elevadas, ela pode sofrer danos ou mesmo falhar, permitindo que a corrente elétrica flua para o ambiente externo. A suportabilidade térmica da isolação do cabo é medida pela sua capacidade de resistir à temperatura máxima permitida sem sofrer danos ou falhas. Essa temperatura máxima permitida é estabelecida pela norma e deve ser levada em conta no dimensionamento do cabo. O isolante do cabo também deve ser capaz de dissipar com eficiência o calor gerado pelas correntes de curto-circuito, para evitar que a temperatura do cabo atinja níveis perigosos. Isso é alcançado por meio de técnicas de projeto e fabricação, como o uso de materiais de isolamento com baixa resistência térmica.
Os limites térmicos suportáveis para diferentes materiais isolantes em cabos elétricos na análise de curtos-circuitos podem variar dependendo da norma aplicável e do fabricante, mas alguns materiais isolantes comuns e seus respectivos limites térmicos suportáveis incluem:
- CPE (Clorado Polietileno): geralmente suporta temperaturas de até 150°C para curtos períodos;
- PVC (Policloreto de Vinila): geralmente suporta temperaturas de até 160°C para curtos períodos;
- XLPE (Polietileno reticulado com alta densidade): geralmente suporta temperaturas de até 250°C para curtos períodos;
- EPR (Borracha etileno-propileno): geralmente suporta temperaturas de até 150°C para curtos períodos de tempo;
É importante notar que esses limites podem ser afetados por outros fatores, como a espessura da isolação, a ventilação do cabo e a presença de outros materiais no ambiente, por isso é sempre importante consultar as especificações do fabricante e verificar se os limites do cabo são adequados para a análise de curto-circuito.
Vale lembrar que esses valores são para curtos períodos de tempo, durante um curto-circuito, para garantir a segurança, é importante que as temperaturas não ultrapassem esses valores e que outros critérios sejam considerados, como a corrente nominal de curto-circuito, estabilidade térmica e resistência mecânica.
Conclui-se então que o conhecimento das correntes de curto-circuito é fundamental para garantir a segurança e eficiência do sistema elétrico, e deve ser levado em consideração no dimensionamento de cabos elétricos para garantir que eles possam suportar correntes de curto-circuito de forma adequada e segura.
Detalhes para os curiosos
Durante um evento de curto-circuito em um cabo elétrico, há uma corrente elétrica elevada que flui através do cabo, gerando calor. Como o curto-circuito geralmente ocorre rapidamente, a capacidade de transferência de calor para o meio ambiente é limitada, resultando em uma troca de calor adiabática. O calor gerado no cabo é liberado principalmente através de radiação térmica e condução para o ar adjacente, mas não é suficiente para equilibrar a taxa de geração de calor, causando uma elevação da temperatura do cabo.
Dos fundamentos da calorimetria, a energia térmica acumulada em um corpo é
\[Q = m\,c\,\Delta T\] (1)
Onde:
\(Q\) é o calor gerado;
\(m\) é a massa do corpo que acumula o calor;
\(c\) é o calor específico no material que acumula o calor;
\(Delta T\) é a mudança de temperatura do cabo causada pelo aumento de calor gerado pelo curto-circuito.
A compreensão dos princípios da calorimetria é importante para avaliar o desempenho de cabos elétricos em condições de curto-circuito. Por exemplo, em um cabo de cobre com isolação XLPE, (1) é ser usada para prever a quantidade de calor gerado durante um evento de curto-circuito e avaliar se a temperatura do cabo atingirá níveis perigosos para a isolação.
Em termos matemáticos, isolando para obter a seção mínima do cabo que atenda aos requisitos de curto:
\[m\,c\,\Delta T = R\,{I^2}\,\Delta t\] (2)
\[\rho \,A\,\ell \,c\,\left( {{T_f} – {T_i}} \right) = {\ell \over {\sigma A}}\,{I^2}\,\Delta t\] (3)
\[A = \sqrt {{{{I^2}\Delta t} \over {\rho \,\sigma \left( {{T_f} – {T_i}} \right)}}} \] (4)
Vejamos de onde saem uns números apresentados na Tabela 1, oriundas da ABNT NBR 14039:
Condutor PVC EPR ou XLPE
Cu 143 176
Al 95 116
Aço 52 64
Analisemos um cabo de cobre coberto por uma isolação de XLPE. A partir destas informações levanta-se as principais caraterísticas térmicas e elétricas dos materiais::
• condutividade do cobre: \({\sigma _{Cu}} = 56 \times {10^6}\,{{\rm{S}} \over {\rm{m}}}\)
• densidade do cobre: \({\rho _{Cu}} = 8,96 \times {10^3}\,{{{\rm{kg}}} \over {{{\rm{m}}^3}}}\)
• calor específico do cobre: \({c_{Cu}} = 386 \times {10^3}\,{{\rm{J}} \over {{\rm{kg}}\,{\rm{K}}}}\)
• temperatura máxima suportável pela isolação em um evento de curta duração: \({T_{XLP{E_{\max }}}} = 250\,{\rm{^\circ C}} = 523,15\,{\rm{K}}\)
• temperatura máxima nominal: \({T_{XLP{E_{{\rm{nom}}}}}} = 90\,{\rm{^\circ C}} = 363,15\,{\rm{K}}\)
O valor da constante \(k\) definido na NBR 14039 já pode ser calculado:
\[k = \sqrt {{\sigma _{Cu}}\,{\rho _{Cu}}\,{c_{Cu}}\,\Delta {T_{XLPE}}} \] (5)
\[k = \sqrt {\left( {56 \times {{10}^6}\,{{\rm{S}} \over {\rm{m}}}} \right)\,\left( {8,96 \times {{10}^3}\,{{{\rm{kg}}} \over {{{\rm{m}}^3}}}} \right)\,\left( {386 \times {{10}^3}\,{{\rm{J}} \over {{\rm{kg}}\,{\rm{K}}}}} \right)\,\left( {160\,{\rm{K}}} \right)} \] (6)
\[k \approx 176 \times {10^6}\,{{{\rm{A}}\,{{\rm{s}}^{{{\rm{1}} \over {\rm{2}}}}}} \over {{{\rm{m}}^2}}} = 176\,{{{\rm{A}}\,{{\rm{s}}^{{{\rm{1}} \over {\rm{2}}}}}} \over {{\rm{m}}{{\rm{m}}^2}}}\] (7)
Acabamos de descobrir de ondem saem números aparentemente “mágicos”. Veja que de mágicos não tem nada, são fruto do resultado da aplicação de muitos conceitos físicos.
Continuando nossa análise, imagine que o disjuntor leva menos de \(80\,{\rm{ms}}\) para eliminar completamente o curto, e que a corrente máxima de curto circuito ao qual o cabo está sujeito é de \(31,5\,{\rm{kA}}\).
Desta forma encontra-se a seção mínima do cabo que atenda o critério da capacidade de curto circuito, utilizando (4):
\[A = {{\sqrt {{{\left( {31,5 \times {{10}^3}\,{\rm{A}}} \right)}^2}\left( {80 \times {{10}^{ – 3}}\,{\rm{s}}} \right)} } \over {76\,{{{\rm{A}}\,{{\rm{s}}^{{{\rm{1}} \over {\rm{2}}}}}} \over {{\rm{m}}{{\rm{m}}^2}}}}} \approx 50,6 \times {10^{ – 6}}\,{{\rm{m}}^{\rm{2}}} = 50,6\,{\rm{m}}{{\rm{m}}^{\rm{2}}}\]
Além do método de curto-circuito, é importante considerar outros aspectos como capacidade de condução de corrente e queda de tensão máxima admissível na escolha da bitola adequada do condutor, para garantir a integridade e desempenho confiável do sistema elétrico
Angelo A. Hafner
Engenheiro Eletricista
Doutor em Eletromagnetismo
CONFEA: 2.500.821.919
CREA/SC: 045.776-5
aah@dax.energy
Referências:
IEC 60287. Conductors in insulated cables – Calculation of the current rating;
THUE, William A. (Ed.). Electrical power cable engineering. Crc Press, 2017;
ABNT NBR 14039 (Instalações elétricas de média tensão de 1,0 kV a 36,2 kV);
ABNT NBR 7286 (Cabos de potência com isolação extrudada de borracha etilenopropileno (EPR, HEPR ou EPR 105) para tensões de 1 kV a 35 kV – Requisitos de desempenho);
DA SILVA, Filipe Faria; BAK, Claus Leth. Electromagnetic transients in power cables. London, UK;